A carne de suíno e os seus produtos são, seguramente, um dos alimentos com maior tradição na gastronomia portuguesa e na dos povos mediterrânicos. Basta atender à enorme variedade de presuntos e enchidos tradicionais para nos apercebermos, quase empiricamente, quão profunda e arreigada é a tradição da utilização destas carnes no padrão de consumo do sul da Europa.
A carne de suíno é a que regista o valor de consumo “per capita” mais elevado do mundo. Nas sociedades não vegetarianas, o consumo de carnes satisfaz, em média, o equivalente a cerca de 50% das necessidades diárias de ingestão de proteínas, embora estes valores sejam muito mais elevados nos povos do Norte da Europa e da América e na China.
As razões da maior procura da carne de porco assentam em três pilares principais: a facilidade de utilização destas carnes (fácil conservação e confeção), o seu valor nutritivo intrínseco e a cultura gastronómica tradicional ou o gosto pelos preparados culinários que utilizam as carnes de suíno como ingrediente. Quem consegue resistir aos aromas inebriantes de pedaço de toucinho entremeado grelhado na brasa, ou a um bom chouriço grelhado, ou a linguiça cozida e vinho tinto com louro e depois grelhada, ou à pele estaladiça de um leitão assado ou a uma cachola bem condimentada guisada com batatas? Ninguém, …não ser que tenha um indisfarçável mau gosto. A diversidade de produtos transformados à base de carne de porco em Portugal é absolutamente notável.
No que respeita ao valor nutricional das carnes de suíno, ele não reside apenas na sua excecional riqueza proteica, igual à maioria de todas as outras carnes, mas também nalgumas vantagens específicas que decorrem da sua maior digestibilidade e da composição única dos seus lípidos.
A quantidade de lípidos existentes nas carnes de suíno, dependendo do estado de acabamento (engorda) dos porcos de que foi obtida, da peça de talho, da raça e da idade do animal no momento abate, é sempre mais baixa em termos comparativos. A composição da dieta dos suínos também tem influência nas diferentes frações lipídicas. A gordura de suíno tem o mesmo valor calórico de todas as outras gorduras, sejam de origem animal ou vegetal. O que os lípidos da carne de suíno têm de especial é a sua riqueza em ácido oleico, na forma de triglicérido (cerca de 35 % do total de lípidos) e o facto de esse ácido gordo se encontrar, praticamente na sua totalidade, na forna - cis. Esta fração lipídica, com estas características, tem evidentes vantagens dietéticas contribuindo fisiologicamente para a prevenção da síntese de colesterol e de LDL no fígado humano (o mau colesterol). A especial composição das gorduras dos suínos permite obter um produto industrial, a banha, que é única gordura do mercado que tolera aquecimentos até 220º sem se desnaturar, ao contrário das gorduras de origem vegetal que não suportam sobreaquecimentos. Por isso esta gordura é a ideal para os preparados culinários que exigem tratamentos térmicos a temperaturas mais elevadas (assados em forno ou guisados).
A ideia de que as carnes de suínos não são indicadas para regimes hipocalóricos ou pobres em colesterol, é fantasiosa, na medida em que apenas as vísceras (iscas, rins, tripas) contêm uma pequena fração de gorduras esteróides (inferior a 2%). Contudo, estas vísceras, devido à sua excepcional riqueza em vitaminas lipossolúveis e em sais minerais, são especialmente indicadas para regimes alimentares de convalescença.
A carne de suíno é rica em vitaminas lipossolúveis, incluindo as vitaminas A e E, o que, somado ao elevado teor em selénio e zinco, permite a estas carnes não serem tão vulneráveis ao ranço oxidativo como as dos outros animais. Essa é razão pela qual elas são utilizadas no fabrico de enchidos e presuntos que, embora expostos ao ar, permitem a esse tipo de carnes transformadas conservar-se por longos períodos.
A preferência dos consumidores por este tipo de carnes traz benefícios óbvios para a saúde, desde que o volume não seja exageradamente superior ao das necessidades individuais, como é óbvio.
Portugal tem privilégio de possuir três raças autóctones de suína: “Alentejano”, “Bísaro” e “malhado de Alcobaça”, algumas delas produzidas em regimes extensivos, naturais. Isto permite obter vantagens nutricionais e comerciais especiais na medida em que os respetivos modos de produção permitem obter carnes suficientemente diferenciadas para ocupar um determinado espaço de mercado.
Também os produtos de salsicharia fabricados com matérias primas-obtidas de porcos das raças autóctones têm experimentado valorizações comerciais muito interessante em mercados especiais, ditos “gourmet”, de que são exemplos mais notáveis o presunto de porco ibérico, os salpicões e os salsichões.
Pode então concluir-se que a grande tradição de inclusão de produtos à base de carne de porco no padrão de consumo dos portugueses decorre certamente de referências culturais cuja ancestralidade remonta a períodos muito anteriores ao da própria fundação da nacionalidade, e, que só se podem ter mantido até aos nossos dias porque trazem seguramente muito benefícios para saúde. Essa tradição multi-secular, é uma consequência da facilidade de conservação destas carnes através de processos muito básicos muito simples e pouco dispendiosos como a salga, a seca ou a fumagem.